20 dezembro 2013

Enna, a cidade mitológica de Deméter ou Ceres




Situada sobre uma montanha isolada no coração da Sicilia, com belos palácios, mansões e igrejas medievais, a cidade de Enna encanta pela soberba vista panorâmica de toda região, com seus olivais, campos de trigo, amendoeiras e o vulcão Etna. Rica em história, Enna pode se orgulhar de possuir um dos maiores patrimônios históricos da Sicília.

Habitada na antiguidade pela tribo Sicani e chamada de Henna pelos antigos gregos, quando a cidade foi conquistada pelos árabes em 859 era chamada Qasr Yannah. Os normandos tomaram a cidade e deram-lhe o nome de Castrogiovanni, até que Mussolini decretou em 1938 a retomada de seu antigo nome Enna.



Mitologia grega: Mito grego de Perséfone/Kore

Como todas as grandes cidades sicilianas, Enna possui uma mistura de influências dos diversos povos que habitaram a Sicília. Caminhar pelas ruas estreitas do centro histórico significa descobrir não só a história dos povos que ali viveram, mas também suas lendas e monumentos que fazem referência à mitologia greco-romana, especialmente ao mito grego de Deméter e Perséfone.

De acordo com as lendas gregas, Deméter vivia em harmonia com sua filha Koré ou Perséfone que gostava de passear à beira de um lago colhendo flores. Mas um dia sua filha saiu e não retornou. Depois de muitos anos de busca, Deméter descobriu que Hades - o senhor das trevas - havia raptado sua filha e a tinha levado para o mundo subterrâneo.

Enfurecida Deméter ordenou que a terra secasse e recusou a devolver a abundância. Embora sua filha Perséfone tivesse sido coroada como Proserpina, a rainha das trevas, Deméter não se conformava e queria a filha de volta. Hermes, o mensageiro dos deuses, foi incumbido de intervir para resolver a questão e fez um acordo.

Durante nove meses do ano Perséfone/Proserpina viveria com sua mãe, mas durante três meses deveria retornar para o marido. Porém Deméter nunca se conformava, por isso quando ela chorava a terra se tornava fria e nada produzia, o que deu origem ao inverno. Mas logo quando a filha retornava, Deméter fazia florescer as flores nos campos anunciando a primavera.  (

Leia mais sobre mitologia grega em meu blog:  eventosmitologiagrega.blogspot.com.br ou click aqui )




Reserva Natural do Lago de Pergusa

Segundo lendas, foi no Lago de Pergusa na parte baixa de Enna que Perséfone desapareceu. Atualmente às margens do lago está o Autódromo Pergusa, que tem prestígio internacional e já sediou diversos eventos automobilísticos. 



Autódromo de Pergusa 

Caracterizado por longas retas, é um dos circuitos mais velozes. Os pontos mais espetaculares da pista, que são chamados de Proserpina, Pineta e Zagaria,  exigem dos pilotos grande habilidade.

O circuito está imerso na Reserva Natural do Lago de Pergusa, um lugar onde inúmeras aves migratórias fazem seus ninhos. 

Após alguns anos de inatividade, o circuito foi reaberto e a programação das corridas é feita para épocas que não cause perturbação à fauna. 

Com uma exuberante floresta de espécies raras de árvores, também é um lugar fascinante para piqueniques.



Enna baixa


Na parte baixa de Enna estão concentradas construções modernas, a estação, o centro industrial e a Kore Universidade. Mas basta elevar os olhos para admirar as construções alinhadas sobre impressionantes penhascos e concluir que construir castelos no ar não é mera fantasia.


Enna alta




Antigamente, para se chegar até a parte alta de Enna que está a quase 1.000 metros de altitude, era preciso passar por um dos 6 grandes portas que impediam a invasão da cidade. 



Porta Medieval
 Janniscuru






























De todas resta apenas as ruínas da monumental Porta Janniscuru, que hoje dá ao visitante a imagem de um arco romano. Situada no tradicional bairro Fundrisi, a porta está no meio de um lance de escada de pedras. Nas imediações há uma série de grutas sendo a mais importante a Gruta Guardiola.



Enna alta: Vista da Piazza Garibaldi

A Piazza Garibaldi marca uma das entradas da parte alta da cidade, sendo um dos espaços que passou por uma revitalização. A arquitetura neoclássica dos prédios públicos contrasta com antigos palácios, que na antiguidade situavam-se junto de um dos antigos portões da cidade. 




Piazza Garibaldi

Diversos prédios em diferentes estilos estão ao longo da Via Roma, que é a principal rua do centro histórico e atravessa vários bairros. 

Com muitas praças, nessa avenida encontram-se palácios históricos, diversas igrejas, o antigo teatro, museus e a casa onde viveu o grande orador romano Cícero, que é lembrado por uma lápide de mármore.



Enna belvedere



Piazza F.Crispi / Belvedere

Um dos locais mais visitados nessa parte alta é a Piazza F. Crispi, que mais parece um parque e onde muitas pessoas se reúnem devido ao belvedere que oferece uma bela vista panorâmica.




Piazza F. Crispi / Fonte "Rapto de Proserpina"

Na praça há uma fonte chamada "Rapto de Proserpina" que faz uma homenagem à filha de Demeter ou Ceres. Embora Proserpina não estivesse incluída entre os deuses olímpicos, ela foi a figura central nos Mistérios de Elêusis, que por 2.000 anos antes do cristianismo foi a principal religião dos gregos, que festejavam a renovação da vida depois da morte através da volta anual da deusa do Inferno.




Rocca de Ceres 

No alto de uma grande rocha, chamada Rocca de Ceres, existiu na antiguidade um templo dedicado à deusa Ceres que os gregos chamavam de Deméter e era considerada a deusa da terra, das culturas, de todas as flores, frutos, protetora da fertilidade e dos partos.




Por muitos séculos a deusa da fertilidade e da agricultura foi considerada crucial para toda a região de Enna, que sempre teve uma abundante produção de grãos e ainda hoje a região é uma grande produtora de trigo. 

Dizia-se que foi Ceres ou Demeter quem ensinou aos homens a cultivar os campos, por isso a deusa era representada com uma cesta cheia de frutas e grãos. 



representação de Ceres / Deméter



De Ceres derivou o nome aos grãos chamados de cereais. Quando chegava o mês de abril os gregos faziam um culto à deusa, tradição que continuou com os romanos. 

Eles ofereciam frutas e mel pedindo à deusa para limpar a casa e retirar esprectos e sentimentos tristes, isso porque acreditavam que Ceres/Demeter fazia a ligação entre os seres vivos e os mortos.

Cícero, o grande orador romano que se hospedou em Enna nos anos 70 a.C., descreveu esse local onde as pessoas adoravam a gloriosa imagem de Ceres. 

Em 173 a.C. os soldados romanos destruíram o templo. Embora o santuário não exista mais, historiadores fizeram escavações e encontraram vestígios arqueológicos do século 3 a.C.



Castello di Lombardia


Um dos destaques de Enna é o poderoso Castello di Lombardia, que é uma das maiores fortalezas da Sicília. Sua origem remonta à época dos Sicani, que ali construíram a fortaleza 1.000 anos a.C. 

Na antiguidade, devido à sua posição estratégica sobre a montanha, inúmeros povos ambicionavam a tomada da cidade que era considerada totalmente segura devido às falésias íngremes.

Na época dos gregos, os romanos só conseguiram invadir a cidade em 258 a.C. porque foram ajudados por traidores da cidade que lhes deram indicações da rede de esgotos do castelo. Só assim os romanos surpreenderam com seu ataque. Após a queda do Império Romano do Ocidente, a fortaleza foi usada pelos bizantinos que resistiram por muitos anos aos ataques árabes. 




Castello di Lombardia

Após um longo cerco os árabes conquistaram a cidade em 859, que depois foi tomada pelo rei normando Ruggero I.  Quando Frederico II se tornou o imperador da Sicília, mandou reformar o castelo como uma residência de verão e acrescentou as 20 torres das quais restam apenas 6.

Subindo 95 degraus, do alto de uma das torres tem-se uma bela vista panorâmica. Usado no passado como prisão, atualmente o castelo é um centro cultural onde acontecem apresentações de ópera e concertos de música pop. É considerado o único teatro no mundo, que está mais perto das estrelas.



Monumento na entrada do castelo



Próximo à entrada do castelo há um monumento dedicado ao escravo Euno, que liderou uma rebelião de escravos na Sicília entre os anos de 136 a 132 antes de Cristo. Naquela época muitos escravos haviam sido capturados pelos romanos depois da queda do Império de Cártago. 

Euno tinha o dom de interpretar sonhos e acreditava-se que ele seria um profeta, pois dizia poder prever o futuro e afirmava que um dia se tornaria rei.

Euno deu início à rebelião junto com 400 escravos e em pouco tempo formou um exército com 200.000 homens. Proclamado rei com o nome de Antíoco, Euno começou a invadir os campos da Sicília. Os romanos tentavam frustrar os escravos, mas perdiam todas as batalhas.



Crucificação, um costume dos antigos romanos


Derrotados pelo Cônsul Lúcio Calpurnius, eles foram obrigados a recuar. Durante algum tempo os escravos lutaram, mas para enfrentar a fome adotaram até mesmo o canibalismo. 

Começaram devorando as mulheres e  crianças. Quando ameaçavam devorar seus próprios companheiros, foram traídos.

Serapião, que era um de seus líderes, deixou que sua tropa fosse capturada pelos romanos. Muitos escravos recapturados foram explorados em trabalhos pesados até a morte. 

Outros foram crucificados, um costume dos antigos romanos para castigar os condenados de modo a causar uma lenta agonia de morte, fato que se repetiria 100 anos depois com a crucificação de Jesus Cristo.



Teatro Garibaldi

Vários palácios ainda podem ser admirados em diferentes partes da cidade, como o elegante Teatro Garibaldi é o grande destaque de uma das praças de Enna. Em tempos passados, além de servir como salão de entretenimento, o teatro também servia como local de reunião política.




Palazzo Pollicarini

Construído nos séculos 14/15 como uma residência aristocrática e refinado estilo gótico, a sobriedade do palácio é quebrada pelos elegantes arabescos e molduras, tendo uma ampla escadaria que liga o pátio ao andar superior. Embora seja uma propriedade particular, o pátio permanece aberto para quem quiser admirá-lo.




Palazzo Chiaramonte /
Igreja San Francesco d'Assisi

Em outra grande praça, que foi no passado um espaço social e político, dentre os elegantes palácios antigos destaca-se o Palazzo Chiaramonte, que foi construído por uma das mais poderosas famílias da Sicília e tem uma interessante história.

Segundo contam, o palácio é habitado por estranhas presenças e se pode ouvir gemidos e lamentos que são atribuídos aos terríveis fatos relacionados ao palácio. 

Na antiguidade o palácio serviu como Tribunal da Inquisição. Da janela eram anunciadas as condenações das pessoas acusadas de bruxaria. Porém, durante uma revolta do povo os juízes foram jogados pela janela.

Incorporada ao palácio está a Igreja e Convento San Francesco de Assisi com uma alta torre, que no passado fazia parte do sistema defensivo da cidade. 

O complexo dispõe de um auditório e uma biblioteca com 60.000 volumes, incluindo manuscritos, miniaturas e livros raros e de grande valor. No porão da Igreja há uma cripta escavada na rocha. 



Catedral de Enna


Catedral de Enna



Catedral Madonna della Visitazione 
ou Nossa Senhora da Anunciação
 

As grandes atrações de Enna são suas dezenas de igrejas, estando a maioria na parte alta cidade e quase uma ao lado de outra. Supõe-se que a Catedral tenha sido originalmente construída em 1307 sobre um antigo templo dedicado a Proserpina.

Localizada perto do castelo, a igreja foi reconstruída após um incêndio e decorada por belas pinturas, sendo considerada uma das maiores expressões artísticas do centro da Sicília. 

Dedicada à Santíssima Virgem Maria da Visitação ou Madonna dela Visitazione, em 2 de julho é realizada uma grande festa em homenagem à padroeira da cidade.




Museu Alessi / Corona dela Madonna

Ao lado da catedral está instalado o Museu Alessi onde há coleções arqueológicas, objetos de arte e moedas da época medieval. Com uma rica coleção de joias e vestimentas decoradas com pedras preciosas, sua peça mais valiosa é a Coroa de ouro della Madonna em estilo barroco siciliano. Feita em ouro branco e cravejada com pedras preciosas, tem seis medalhões representando cenas religiosas.



Igualmente interessante é o Museu Arqueológico, que inclui inúmeros artefatos descobertos em escavações numa série de sítios arqueológicos na região de Enna. Instalado no belo Palazzo Varisano em frente à catedral, o museu possui várias salas e dezenas de vitrines que contam a história da cidade e de toda região.



Museu da 
 Igreja de San Cataldo

Há outros museus menores, como o Museu Musical de Arte, que é o primeiro museu multimídia da Sicília e apresenta um emocionante espetáculo musical com imagens. Na Igreja de San Cataldo também é mantido um pequeno museu, com requintados móveis de prata e uma gruta dedicada a Santa Bernadete.




Igreja de Santa Chiara


Igreja de Santa Chiara


Igreja de San Giuseppe



Igreja de San Marco

A maioria das igrejas medievais de Enna foram construídas entre os séculos 14/16. Apesar das fachadas simples, as igrejas possuem um requintado acabamento interno e uma decoração artística impressionante, como a Igreja de Santa Chiara, a Igreja de San Giuseppe, Igreja de San Giovanni Battista e a Igreja de San Marco que tem um altar trabalhado em madeira e acabamentos em ouro puro.



Igreja San Francesco di Paola


Igreja San Francesco di Paola

Igualmente impressionante é a Igreja San Francesco di Paola, com sua bela torre sineira, que tem o altar e um crucifixo feitos em pedra ônix, piso em mármore rosa e uma imagem de Nossa Senhora de Loreto adornada em ouro puro.

Valverde: No Santuário de Nossa Senhora de Valverde há uma imagem da santa que também ostenta um rico manto de ouro feito em 1854. 

No passado Nossa Senhora de Valverde foi a padroeira da cidade, sendo venerada desde a época em que San Pancrázio chegou em Enna no século 3 para divulgar o cristianismo.

Valverde é um dos bairros mais antigos de Enna, que ainda possui ruelas estreitas e tortuosas intercaladas com arcos, pontes, ladeiras e escadas estreitas. Em alguns pontos, prédios decadentes foram substituídos por prédios mais modernos, que não interferem na beleza medieval da cidade.





Igreja Santa Maria de Montesalvo

A Igreja de Santa Maria de Jesus de Montesalvo, que pertence ao Convento dos frades franciscanos, também é muito antiga.. 

Segundo contam historiadores, a capela foi construída em 1577 com a intenção de substituir os cultos pagãos dedicados a Ceres, Proserpina e Baco, pela festa cristã de Nossa Senhora da Visitação ou Madonna della Visitazione. Um dos motivos era evitar que meninas e moças fossem sacrificadas durante os rituais pagãos.




 Obelisco que indica o
centro geográfico da Sicília
.

Situada num dos pontos mais altos de Enna e de frente para uma grande praça, a Igreja de Montesalvo é adornada por uma fonte e tem ao lado um obelisco que indica o centro geográfico da Sicília. 

Abaixo da igreja está o estádio de futebol, sendo um bairro moderno da parte alta que faz fronteira com a Torre de Frederico II, também conhecida como Torre Octognal.




Torre Octognal ou Torre Frederico II

A Torre Octognal Frederico II é o grande marco em meio a um parque verde. No passado a torre servia como uma fortaleza de defesa e, apesar de ter apenas 17 metros de diâmetro, os dois andares somam 24 metros de altura e são protegidos por espessas paredes.

A torre tem características únicas encontradas em outras fortalezas da Sicília. O acesso ao andar superior é feito por uma escada espiral embutida na parede. Segundo contam, em tempos passados a Torre era conectada ao Castello di Lombardia através de uma passagem subterrânea. Na cidade há outras antigas torres que no passado serviam para defender a cidade e tornaram-se torres sineiras de igrejas.



Santuário da Parpadura


Santuário da Parpadura 

As manifestações religiosas da Semana Santa são os eventos mais importantes da cidade. Com influência das tradições de origem espanhola, as celebrações atraem milhares de turistas especialmente durante "Venerdí Santo" ou Sexta-feira Santa. Os rituais, que iniciam uma semana antes, evocam a entrada de Jesus em Jerusalém.

Os eventos costumam ocorrer no pequeno Santuário da Parpadura, situado numa das entradas da cidade. Construído em 1660 sobre as rochas, na época foi considerada uma obra ousada e complexa. A fachada do santuário é simples, mas seu interior impressiona pelos belos estuques, imagens e obras de arte.





Piazza Neglia: Igreja San Tommaso 
                         e Igreja das Santas Almas


Igreja da Confraria

Outro pequeno santuário que tem uma bela decoração e está envolvido nas celebrações da Páscoa, é a Chiesa delle Anime Sante ou Igreja das Santas Almas. 

Relacionada com a confraria que difundia a fé cristã e mantinha vivo o culto aos mortos, foi construída em 1671. 

Mantida pela confraria, a igreja está junto da Igreja San Tommaso, que se destaca na Piazza Neglia por sua torre sineira que na antiguidade foi uma torre de defesa. 





Processione degli Incappucciati

As celebrações de maior destaque em Enna acontecem na Sexta-feira Santa, quando todas as Confrarias se reúnem para a procissão e encenação da paixão de Cristo. A peregrinação na cidade, ao som das marchas fúnebres, é feita com um desfile que reúne 2.500 participantes.





Chamada de "Processione degli Incappucciati", a procissão passa pelas principais ruas do centro histórico, sendo a melhor época para conhecer a essência e a fé do povo de Enna. 

A primeira Irmandade dos Incappucciati foi criada em 1261 por monges basilianos junto a camponeses e coletores de impostos. Essa é a irmandade que tem o privilégio de conduzir a urna com o Cristo.







Diversas outras irmandades surgiram durante a Idade Média, mas foi a influência espanhola no século 15/17 que as tornou mais significativas. Nessa época a Sicília era governada pelos espanhóis que incentivaram a criação de confrarias concedendo-lhes prestígio. 

Ao longo dos séculos diversas irmandades foram criadas por diferentes categorias profissionais, tendo todas elas um caráter assistencial de socorrer os pobres, doentes e desamparados desde a Idade Média.

Formada apenas por homens, cada irmandade se distingue por suas insígnias e cores das vestimentas. Na antiguidade eram as irmandades que providenciavam o enterro daqueles que eram condenados à morte. 

No domingo da Páscoa todos vão até o topo da Rocca di Ceres, quando é feita a bênção solene dos campos. De volta à Catedral, as imagens que fazem parte das celebrações retornam às suas respectivas igrejas e simbolizam o distanciamento necessário para a conclusão da missão terrena de Cristo que retorna ao Pai...


05 dezembro 2013

Cavarzere, a cidade que renasceu das cinzas no Natal






Minha avó nasceu em Cavarzere na região do Vêneto, um lugar que tem muita história para contar. Em tempos antigos essa planície era totalmente alagada. Com o recuo lento das águas, ao longo dos séculos esse lugar se tornou uma aldeia, onde viveram etruscos e gregos provavelmente desde 4.000 anos a.C.

Quando os antigos romanos chegaram nessas terras, por volta do ano 200 a.C., encontraram extensos campos cultivados e transformaram a aldeia numa colônia romana chamada "Caput Aggeris". Tempos depois a cidade passou a ser chamada "Caput Argelle", em dialeto "Ca' di Arzere" sendo hoje conhecida como Cavarzere.



  


Ainda hoje Cavarzere está em meio a vastos campos agrícolas. O rio Adige, que é o segundo maior rio da Itália, divide a cidade em duas partes. 

A área industrial concentra a maioria das fábricas num dos lados do rio e quase todas as empresas giram em torno do trabalho no campo. A cidade é tão tranquila que nem parece que está bem perto da agitação de Veneza.





Piazza del Duomo


A praça mais conhecida da cidade é a Piazza del Duomo, onde está o Palazzo Barbiani concluído em 1892 e onde funciona a prefeitura. Ao lado do palácio existe uma coluna com o Leão alado de San Marco, que é um símbolo da antiga República de Veneza e tem uma interessante história.





Palazzo Barbiani





Segundo uma antiga tradição cristã, um anjo na forma de um leão alado teria aparecido para o evangelista San Marco quando ele naufragou na lagoa de Veneza e teria dito que ali San Marco seria venerado. Na verdade o corpo do santo foi levado para Veneza por dois mercadores venezianos, que teriam roubado os restos mortais do santo no Egito.





Memorial da torre



Torre Sineira
 Monumento aos mortos na guerra

A alta torre sineira com mais de 60 metros de altura se destaca na paisagem da cidade. Na torre há várias placas em homenagem aos heróis da cidade e o emblema de Cavarzere, que contém um castelo que existiu até o século 16 e foi demolido.




Igreja San Mauro




Igreja de San Giuseppe

No lugar do antigo castelo foi construída a Igreja de San Mauro, que é o padroeiro da cidade. A igreja, como se vê hoje, resulta da reconstrução em 1945, assim como a bela Igreja de San Giuseppe. Nas imediações da cidade há outras igrejas, sendo a Capela Ca Labia uma das mais antigas.





Fábrica de bicicletas

Assim como em várias cidades italianas, um dos meios de locomoção na cidade são as bicicletas. Os italianos gostam de ciclismo e as competições realizadas na Itália reforçam esse prazer de andar sobre duas rodas, além de contribuir para diminuir os efeitos da poluição. Porém em Cavarzere as bicicletas são mais do que um prazer, pois muitas pessoas trabalham nas fábricas de bicicletas Esperia e Bottecchia.





Rio Adige

Na cidade há várias fábricas de processamento de grãos. Atualmente de Cavarzere saem cereais, legumes e outros alimentos que abastecem diversas cidades da Itália, mas nem sempre foi assim. 

Durante sua história, o Veneto foi uma região que sofreu constantes ataques de diversos povos, principalmente dos bárbaros que promoviam guerras para saquear riquezas e alimentos.

Os romanos chamavam de "bárbaros" todos os povos que habitavam fora das fronteiras do império romano e que não falavam o latim, a língua oficial dos romanos. De todos os povos bárbaros, os hunos eram os mais violentos e ávidos por guerras.






De origem mongólica, os hunos eram nômades e percorriam as florestas com suas carroças. Eram excelentes criadores de cavalos que usavam para atacar e saquear aldeias. Quando chegavam numa região espalhavam o medo, pois eram extremamente violentos e cruéis. 

Quando os povos bárbaros atacaram a região do Veneto em 452, a população buscou refúgio ao longo do rio Adige sem saber que estariam se expondo aos perigos das enchentes, pois a região está abaixo do nível do mar. Segundo contam historiadores, no ano 589 ocorreu uma grande inundação que foi comparada aos tempos de Noé.






Durante séculos a cidade sofreu diversas inundações e foi devastada por guerras, além dos terríveis terremotos em 1276 e 1410 que causaram a destruição da cidade. Tudo isso resultou em pobreza, fome e pestes, que dizimaram parte da população e toda a região foi reduzida a pântanos pestilentos.

Quando a paz se estabeleceu em torno de 1600, a cidade cresceu com diversas construções, ganhou igrejas e a partir de 1866 foi incorporada ao reino da Itália. 

Para isolar o rio e proteger a cidade de inundações, em 1888 foi construída a grande muralha nas margens do rio. As escadas permitem o acesso para caminhar sobre o aterro ou para atravessar para o outro lado do rio.





Imigração

A maior imigração de italianos provenientes de Cavarzere e de outras cidades da região do Veneto para a América ocorreu entre os anos de 1889 até 1914. 

Nessa época a natureza se mostrou hostil e os invernos rigorosos que se abateram sobre a cidade impediram o trabalho no campo. Devido à miséria e à malária que se seguiu, muitos agricultores italianos imigraram principalmente para o Brasil.

Um incêndio destruiu a prefeitura e seu valioso arquivo, sendo por isso que as pessoas que buscam documentos antigos em Cavarzere encontram dificuldades.

 Simplesmente os documentos foram destruídos por incêndios ou foram levados pelas enchentes. Naquela época, os cavarzeranos que permaneceram na cidade jamais poderiam imaginar que o pior ainda estava por vir.





Segunda Guerra Mundial
imagem da praça após a guerra em 1945

Em 28 de julho de 1944 a cidade despertou com o barulho ensurdecedor de um bombardeio sobre a ponte do rio Adige. Era a Segunda Guerra Mundial que chegava até Cavarzere. 

Em pouco tempo a cidade foi invadida pelo rugido dos tanques de guerra, só restando aos cavarzeranos a opção de fugir deixando a cidade deserta. 

Durante alguns meses a cidade foi um cenário de guerra, até que em 27 de abril de 1945 cessaram os bombardeiros e a cidade foi libertada da ocupação nazista.

Os sobreviventes que haviam se refugiado retornaram, mas não podiam mais reconhecer a cidade que tinha em seu lugar apenas um monte de entulhos misturados com armas, munições e corpos de soldados alemães que queimavam sobre os escombros. 

Apenas a torre do sino permaneceu intacta à fúria dos bombardeios. Apesar das dificuldades, o cansativo trabalho de reconstrução foi feito graças à abnegação e desejo de renascimento do povo Cavarzerano.





Tragédia em Cavarzere em 1951
Memorial de Cavarzere



Memorial de Cavarzere

Na noite de 14 de novembro de 1951 as águas do rio Pó romperam os diques e se expandiram rapidamente na planície. Dezenas de pessoas desapareceram nas águas, inclusive um caminhão que levava dezenas de pessoas. 

Locais que antes estavam numa colina, se transformaram em ilhas envoltas por ondas e redemoinhos. Algumas pessoas que se refugiaram no telhado das casas e no alto das árvores foram resgatadas; outras acabaram tragadas pelas águas. 

Apesar do esforço das equipes de resgate, muitas pessoas não conseguiram se salvar. Toneladas de milho, cereais, açúcar e legumes foram perdidas. A sensação de tragédia dominou o Delta do rio Pó e quando as águas baixaram as pessoas retornaram à cidade.






Na memória de muitos cavarzeranos restou a lembrança de um  tempo de solidariedade. No natal de 1951, toda a comunidade de Cavarzere se reuniu para celebrar o nascimento de Jesus com o que lhes tinham restado depois da tragédia.

Pela primeira vez o presépio não teve as imagens tradicionais, apenas um cordeirinho vivo no local reservado para o "Bambino Gesù" ou Menino Jesus. Assim renasceu a esperança de construir tudo novamente...




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Quem sou

Nascida em Belo Horizonte, apaixonada pela vida urbana, sou fascinada pelo meu tempo e pelo passado histórico, dois contrastes que exploro para entender o futuro. Tranquila com a vida e insatisfeita com as convenções, procuro conhecer gente e culturas, para trazer de uma viagem, além de fotos e recordações, o que aprendo durante a caminhada. E o que mais engradece um caminhante é saber que ao compartilhar seu conhecimento, possa tornar o mundo melhor.